Talvez um livro fosse pouco para contar a história de Marcony Pará e sua relação com o octógono. Cheia de altos e baixos, a vida do lutador de 27 anos pregou surpresas. Algumas boas e outras indesejáveis. Natural de Belém, Marcony teve que fugir da capital paraense para não ser assassinado depois de ter o nome envolvido, por engano, em uma confusão com um traficante. Na época, a sua carreira despontava no vale-tudo. Escondido dentro de um táxi, o atleta se mudou para Barra Grande, no litoral do Piauí. Com receio da história, a família o rejeitou de cara. A alternativa então foi morar em Parnaíba, localizada 316 km de Teresina (PI), e dividir o aluguel do apartamento com um amigo. Na nova cidade, Marcony recomeçou. Hoje trabalha como vigilante de casa de shows, mototaxista e ainda dá aulas em academia. Nesses caminhos, reencontrou o MMA nas competições e construiu um novo sonho: entrar, algum dia, no UFC e competir em lutas internacionais.
Marcony Pará é o atual dono do cinturão do Parnaíba Figth, evento de MMA que aconteceu em agosto deste ano no litoral do estado. Foi o primeiro passo de uma carreira que, segundo o lutador, promete. Pai de três filhos – Alici, de sete anos; Ana Aline, de três e Yuri Gabriel, de nove meses – o lutador narra as más lembranças que passou em Belém.
- O caso aconteceu em 2009. Foi uma história complicada, barra pesada. Acabaram me colocando em confusão. Um amigo estava discutindo com um rapaz e fui ajudá-lo, separando a briga. Nessa discussão, tinha um chefe do tráfico de drogas da região. Uma viatura da polícia passou no momento e levou nós três para a delegacia. Viram que não tinham problema, mas identificaram que esse traficante era foragido. No fim das contas, falaram que nós tínhamos assinado nossa sentença de morte. Nunca fui envolvido nada de errado, meu nome é limpo... Fui apenas ajudar um amigo. Minha família e eu decidimos que o melhor era ir embora da minha terra natal – relata o lutador.
A saída de Belém foi traumática. Ao se despedir da família – que não vê há quatro anos – Marcony recorda apenas da sua filha Alice, na época com três anos, chorando. O medo de ser pego pelos criminosos obrigou o lutador a pular o quintal de casa e ficar deitado dentro de um táxi. A sua irmã acompanhou o trajeto para garantir que a viagem não tivesse problemas.
- Tenho para mim que, se tivesse lá, não seria gente porque lá as pessoas matam por conta de R$ 1, ou coisa muito menor. Apesar de triste, foi o melhor. A violência lá era demais. Sei que mais de 20 amigos meus morreram por causa da violência. Existe o caminho certo e errado, e o mais fácil de seguir é o errado. As dores que senti são maiores que os golpes que já levei no rosto. É muito dolorido você recordar que deixou família e amigos, uma história para trás – conta Marcony.
Vigilante por R$ 40, mototaxista-lutador e uma amizade
Na nova cidade, Marcony tem na sua rotina o principal desafiador em um combate pessoal. Das 7 horas às 12 horas, ele veste o uniforme de mototaxista e percorre as principais avenidas de Parnaíba. Das 16 horas às 18 horas, é na academia de jiu-jitsu do amigo Diego Armando que surgem os golpes nos treinamentos para as competições e as aulas do “professor Marcony” para os alunos. Aos fins de semana, às vezes, (quando o orçamento aperta) o lutador se transforma em vigilante de casas de shows para ganhar R$ 40 por turno.
- Comecei no MMA em 2001, iniciei no boxe e fui para o vale-tudo. Já estaria fazendo lutas internacionais, mas tive que começar do zero, uma nova vida. Passei uma barra pesada quando cheguei. A família da minha avó tinha um meio de vida bom e ficaram sabendo dessa história em Belém. Todo mundo ficou com medo e praticamente fui expulso, ou melhor, convidado a se retirar. Hoje em dia eles viram que não sou má pessoa como eles pensaram – revelou Marcony.
Para fugir do nocaute do destino, Marcony contou com a amizade de Diego Armando, também lutador e dono da academia onde Marcony treina e dá aulas. Quando todas as portas pareciam fechadas, veio o acolhimento. Enquanto ensinava técnicas de boxe e MMA ao amigo, Diego repassava os ensinamentos do jiu-jitsu.
- Fizemos uma troca. Ele me ensinava o jiu-jitsu e eu o ajudava nas técnicas de boxe e MMA. Começamos a treinar e formamos uma equipe de Artes Marciais. Foi assim que ressurgi, através da nossa amizade. Teve um tempo que pensei em parar. Fui campeão em algumas cidades. Já pensei muito em desistir do esporte, mas a pessoa que tem uma família tem que pensar nela. Passei dificuldades financeiras, assim como toda pessoa passa. Mas aí pensei: meus filhos me esperam como um grande campeão. Continuei – relembrou Marcony.
De lateral direito ao MMA, e fã de Lyoto
Marcony concluiu apenas o ensino médio. A reprovação em um teste para a polícia militar o fez desistir dos estudos e seguir apenas nas lutas. Antes de entrar no MMA, Marcony se arriscou nos campos e tentou carreira no futebol. Aos 16 anos, como lateral direito, passou em uma peneira do Pinheirense, time do Pará. Em Belém, antes de se tornar um lutador, produzia cerâmicas e vendia os produtos no mercado. Durante uma brincadeira na rua, quando usava uma luva feita de meião com uma esponja dentro, foi visto por um olheiro e começou no boxe. Fã incondicional de Lyoto Machida, seu conterrâneo, Marcony vê no lutador do Ultimate uma inspiração.
- Ele é um cara iluminado, me espelho nele porque pretendo chegar um dia calado, na minha. Você não vê Lyoto falando mal de nenhum lutador. Ele fica na dele. A história dele também é de superação, igual a minha – considerou Marcony.
A vida – até alcançar o estrelato – é difícil. Marcony não é (e não será) o único lutador a ser testado pelas armadilhas da vida. O lutador, de 1,75m e 77kg, sabe disso. E, por isso, também cita Anderson Silva como exemplo a ser seguido no caminho do respeito.
- Tenho planos de chegar pelo menos até o fim do próximo ano no Bellator. Mas também participar do TUF (The Ultimate Fighter Brasil) e, claro, alcançar o UFC. É um sonho. Com fé em Deus um dia chego lá. Quando tiver 30 anos, espero ter uma carreira internacional. Até lá, não dá para ter luxo, vou segurando. Quando o dinheiro apertar faço algumas mágicas e viro em três. Faço bicos. Nem que vem um aluno dou minha aula. Se não vier nenhum, treino sozinho. Não perco um dia, pois não gosto de ficar parado – projeta Marcony, que completa:
- Falar dos assuntos pesados me desmonta, é um nocaute e tanto. Mas essa é a vida de um cara que tenta tudo.
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